Desde a edição do art. 1.240-A do Código Civil, em 2011, o abandono do lar por parte de um dos cônjuges ou companheiros passou a ser hipótese de perda da propriedade da residência onde o casal vive. Diz o referido artigo que “aquele que exercer por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. Em outras palavras, o cônjuge ou companheiro, homem ou mulher, que deixar seu lar por mais de 2 anos pode perder a casa, caso o outro cônjuge ou companheiro resolva mover ação de usucapião para obter a integralidade da propriedade do imóvel residencial.
Apesar de a redação do artigo referido ser bastante claro, o termo “abandono de lar” gerou muitas dúvidas quanto à extensão de seu significado. Contudo o enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil, do Conselho de Justiça Federal, em 2015, trouxe uma luz para a interpretação do referido conceito. Diz o dito enunciado que “o requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável”.
Assim, não basta que o cônjuge ou companheiro, homem ou mulher, tenha deixado o lar por período superior a 2 anos para que haja a possibilidade de usucapião por parte do cônjuge ou companheiro que continuou na posse da residência familiar. Não basta o requisito do abandono do prédio, da casa, da edificação onde reside a família. É preciso que tenha havido também um abandono da própria família, um desamparo à família que permaneceu residindo no imóvel.
O enunciado, além de trazer mais segurança para o intérprete do direito que se depare com situação de abandono de lar seguido de ação de usucapião, também parece se preocupar com a questão da razoabilidade na interpretação do dispositivo supramencionado, isto porque não é razoável, por exemplo, que alguém seja penalizado por deixar o lar se não era mais feliz no ceio familiar e se, mesmo assim, continuou dando o amparo material e até afetivo à família.
Parece que o art. 1.240-A não teve a intenção de criar situação de injustiça, ao penalizar qualquer um, em qualquer circunstância que tenha abandonado o lar, o imóvel. Certamente mais grave que abandonar um imóvel é desamparar os que nele vivem. O dispositivo certamente pretende punir aquele que é desidioso no cuidado com a família, aquele que irresponsavelmente deixa de prover as necessidades de seus dependentes. Mas aquele que, mesmo tendo deixado o ambiente familiar, seja por culpa sua, seja por culpa de outrem, continua cumprindo com suas obrigações, ainda que esteja separado fisicamente do restante da família, não deve ser alcançado pelo disposto no artigo supracitado.
O entendimento exposto no enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil, do CJF, certamente traz mais segurança e justiça para os casos de usucapião familiar.
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