Rescisão indireta ou abandono de emprego?
Existem basicamente duas formas do trabalhador ser afastado definitivamente do emprego: ele pode ser demitido "sem justa causa" ou "por justa causa". Na demissão sem justa causa, o empregado perde o emprego mas recebe todas as verbas trabalhistas. Na demissão por justa causa, o empregado sai do emprego sem receber quase nada.
Não entendeu? Calma que eu explico:
Na demissão "sem justa causa" a denominação já diz tudo: o trabalhador foi demitido sem qualquer motivo. Ele não deu causa para ser demitido, não teve culpa nenhuma. Apenas o empregador, munido de suas atribuições, optou por retirar do rol de seus funcionários aquele determinado empregado. Nesse caso, como o trabalhador não teve qualquer culpa para o término da relação de emprego, bem como este empregado foi surpreendido com uma demissão, ele tem o direito de receber diversas verbas trabalhistas em razão dessa dispensa.
Na demissão "por justa causa", por outro lado, o trabalhador cometeu alguma falta grave capaz de por fim à relação de emprego. Ou seja, nessa hipótese foi o próprio empregado que deu causa para que fosse demitido. Como nessa situação, o trabalhador deu motivo para o seu desligamento, não tem o direito de receber todas as verbas trabalhistas que receberia caso fosse demitido sem justa causa.
Bom, mas onde entra a Rescisão Indireta nessas hipóteses? É que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), busca sempre o equilíbrio na relação entre empregado e empregador. Então, da mesma forma que a CLT estabeleceu hipóteses para que o empregador pudesse dispensar seu empregado "por justa causa", também estabeleceu hipóteses em que o próprio empregado pudesse dar uma "justa causa" em seu empregador e sair do emprego sem ser prejudicado, ou seja, recebendo todas as verbas trabalhistas que receberia se tivesse sido demitido "sem justa causa". E a rescisão indireta é justamente isso: o empregado dando uma justa causa no seu patrão.
As hipóteses em que o empregado poderá dar uma justa causa no seu empregador estão elencadas no art. 483 da CLT. Entre essas hipóteses encontram-se aquelas dispostas nas alíneas d e g, que serão elementos importantes para o tema desse artigo. Segura ai, que já já eu falo delas.
Então... Quando o empregador comete algumas das faltas graves previstas nas alíneas de a até a g do art. 483 da CLT, nasce o direito do empregado de entrar com uma ação na Justiça do Trabalho pleiteando a Rescisão Indireta. É importante informar ainda: da mesma forma que o patrão deve ser bastante meticuloso ao demitir um funcionário por justa causa, o trabalhador deve ter muito cuidado ao pedir a rescisão indireta. É que essa medida não deve ser utilizada por qualquer motivo. Devem existir provas robustas e a certeza de que houve mesmo uma falta grave e não um simples aborrecimento.
Mas por que tanto cuidado?
Existe uma tese sustentada em algumas jurisprudências entendendo que a rescisão indireta, quando não comprovada judicialmente, pode ser convertida em abandono de emprego. É isso mesmo, ABANDONO DE EMPREGO!
O entendimento é basicamente o seguinte: o empregado entrou com Reclamação Trabalhista pleiteando a rescisão indireta e a partir de então deixou de ir para o trabalho. Foi notificado pela empresa, chamado para retomar suas atividades laborais e mesmo assim não compareceu, pensando ele que não precisava voltar ao trabalho, tendo em vista que já estava pedindo para sair. Então, no decorrer do processo trabalhista, esse empregado também não conseguiu comprovar a falta grave do empregador. Nesse caso, pelo fato de não ter comparecido ao trabalho sem qualquer justificativa, esse empregado acaba configurando a hipótese de abandono de emprego, caindo na velha trincheira chamada "justa causa" e sai sem receber quase nada. (Falo quase nada, pois ainda existem umas verbas que são devidas mesmo na demissão por justa causa ou no pedido de demissão - mas sobre isso eu prometo escrever em outro artigo).
Olha só esse julgado:
Ementa: RECURSO ORDINÁRIO. ABANDONO DE EMPREGO. RESCISÃO INDIRETA NÃO CONFIGURADA. Como estabelecido na r. Sentença de origem, os recibos salariais acostados não apontam qualquer pagamento em atraso, não restando confirmada qualquer lesão que implicasse em rescisão indireta. Diante da não comprovação da justa causa do empregador, e sendo incontroverso que o Reclamante se afastou do emprego com o objetivo de não mais retornar, entendo que a situação se equipara ao abandono de emprego, eis que evidente o animus abandonandi.
(TRT-1 - RO: 00119126420145010223 RJ. Orgão Julgador: 2ª Turma. Data de Publicação: 19/01/2016. Data de Julgamento: 2 de Dezembro de 2015)
Porém, já vou avisando: felizmente esse não é o entendimento majoritário. Fato é que boa parte das decisões que admitem a conversão da rescisão indireta em abandono de emprego, na verdade, partilham a ideia de que o § 3º do art. 483 da CLT deve ser observado, já que esse parágrafo permite que o empregado que pleiteia rescisão indireta possa escolher se permanece ou não no serviço até a decisão final do processo, unicamente se a rescisão indireta está amparada nas hipóteses das alíneas d e g do referido artigo. E que hipóteses são essas? A alínea d trata da falta grave de quando o empregador deixa de cumprir com as obrigações do contrato de trabalho. E a alínea g refere-se à falta grave de quando o empregador reduz o trabalho de seu funcionário que ganha por peça ou por tarefa de uma maneira que afete o salário desse empregado. De acordo com o citado § 3º, apenas nessas hipóteses é que o empregado poderá optar por não voltar ao emprego no momento em que ingressar com a rescisão indireta. Diante disso, alguns julgados sustentam que se a rescisão indireta estiver fundamentada em outra hipótese que não seja a da alínea d ou g, deve o empregado continuar trabalhando até decisão final.
Ementa: RESCISÃO INDIRETA X ABANDONO DE EMPREGO. Apenas as alíneas d e g do art. 483 da CLT facultam ao empregado postular a rescisão indireta ausentando-se do serviço, ex vi do disposto no § 3º do mesmo preceptivo legal, ou seja, quando o pedido decorre do descumprimento das obrigações contratuais ou diminuição do trabalho, no caso do tarefeiro. A hipótese de rescisão calcada em suposto assédio moral não é abrangida. Logo, há abandono de emprego quando não configurado o motivo propalado para a justa causa patronal, máxime quando demonstrado o chamamento do empregado para retomar sua atividade laboral junto à empresa. Recurso provido, neste particular
(PROCESSO TRT/SP nº 02700.2009.087.02.007. Recurso Ordinário. Origem: 87ª VT de São Paulo. Relatora: Desembargadora Maria da Conceição Batista.)
Contudo, podem ficar tranquilos. A maioria das decisões que eu vi não partilham desse entendimento e sustentam a tese que eu, particularmente, também defendo de que o pedido de rescisão indireta por si só já configura um prévio aviso ao empregador de que o obreiro não mais deseja continuar com a relação empregatícia, sendo incompatível a configuração em abandono de emprego por ausência do "animus abandonandi". Porém, esse artigo serve de alerta para que os Advogados tenham mais cuidado nas ações de rescisão indireta. Nunca se sabe quando vamos pegar um juiz ou tribunal que seja um defensor da tese minoritária não é mesmo? Todo cuidado é pouco! Espero que tenham gostado e boa sorte!
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