Direito e Engenharia.
Pois bem, normalmente as relações construtora-cliente são de consumo, vez que amoldam-se aos critérios do Código de Defesa do Consumidor (arts. 2º e 3º), no sentido que costumeiramente o comprador é o destinatário final do imóvel adquirido, isto é, não o repassará ou revenderá à terceiros, e a construtora-incorporadora é pessoa jurídica que produz, cria, constrói e comercializa imóveis habitualmente no mercado de consumo.
Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Imóveis, portanto, sejam casas, apartamentos ou conjuntos comerciais, configuram-se na descrição de “produto” da lei consumerista, nos termos do art. 3º, § 1º.
§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
A responsabilização civil da construtora será de fim, isto é, se perfaz pela entrega do bem construído ao cliente, devendo sempre seguir as orientações dos Conselhos Técnicos de Engenharia. Nos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves:
“Ao celebrar o contrato, o construtor assume uma obrigação de resultado, que só se exaure com a entrega da obra pronta e acabada a contento de quem a encomendou. O seu trabalho deve se pautar pelas normas técnicas e imposições legais que regem os trabalhos de Engenharia e Arquitetura. Sendo um Técnico, presume-se conhecedor da ciência e arte de construir”
Assim sendo, as construtoras-incorporadoras, quando diante de uma relação de consumo que gere riscos à saúde e segurança do consumidor (denominada de “defeito”), como em casos que possam afetar à solidez e segurança do imóvel, serão regidas pelo disposto no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, respondendo de maneira objetiva, isto é, sem aferição de culpa. E somente serão excluídas de responsabilidade quando provarem que não colocaram o bem no mercado; que embora colocado no mercado de consumo, o defeito é inexistente; ou ainda, que o defeito decorreu de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidorespor defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 3º O fabricante, o construtor, o produtor ou importadorsó não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Em sendo hipótese de risco à solidez e segurança do imóvel (defeito), o comprador terá 5 (cinco) anos para reclamar com a construtora-incorporadora, a contar-se do conhecimento do dano e de sua autoria, nos termos do art. 27 do CDC.
Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Porém, quando diante de problemas de menor gravidade, que não acarretem riscos à saúde e segurança do consumidor, legalmente chamados de “vícios”, é preciso analisar o caso concreto para verificar se está diante de um vício aparente ou oculto, onde a responsabilidade da construtora-incorporadora será baseada no disposto no art. 18 do Código de Defesa do Consumidor.
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos víciosde qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
O vício aparente é aquele de fácil constatação, no qual o consumidor percebe rapidamente que há algo de errado, normalmente nas primeiras vezes de uso. No caso de imóveis, são exemplos de vícios aparentes: azulejos quebrados, uma parede rachada, ou um piso de chuveiro não nivelado, que logo no primeiro banho acumula água, etc. Para este tipo de vício, e considerando que imóveis são bens duráveis, o Código de Defesa do Consumidor determina: o prazo para reclamação é de 90 (noventa) dias (art. 26, II).
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
Ressalte-se que pelo fato de um imóvel ser um bem durável, o consumidor deve utilizar-se deste prazo para notificar formalmente a construtora-incorporadora dos vícios, a contar-se da entrega do bem, sob pena de, uma vez escoado o prazo e se apurar a inércia do comprador, configurar-se aceitação tácita. O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) já julgou caso semelhante, no qual ficou configurada a negligência da compradora, vejamos.
RESPONSABILIDADE CIVIL. [...] Alegação de falta de oportunidade de vistoriar o bem quando da compra, que não procede. Negligência da compradora, que se interpreta como anuência com o recebimento do imóvel nas condições em que se apresentava. [...] Sentença de parcial procedência mantida. Recurso desprovido.
(TJ-SP - APL: 00269557120108260114 SP 0026955-71.2010.8.26.0114, Relator: Teixeira Leite, Data de Julgamento: 26/06/2014, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/06/2014)
Entretanto, já aqueles vícios denominados de “ocultos”, isto é, de difícil constatação – que podem levar anos para serem verificados, o prazo de reclamação também é de 90 (noventa) dias, mas contados de quando se percebeu o vício pela primeira vez (art. 26, § 3º, CDC).
§ 3º Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
Vícios ocultos normalmente são aqueles que não aparecem quando da vistoria antes da entrega do imóvel ao consumidor, portanto, para que a construtora-incorporadora se proteja juridicamente, é ideal que especifique claramente no termo de vistoria quais defeitos foram apontados pelo comprador, mesmo que aparentes, contando inclusive, com sua assinatura e data no dito termo.
Portanto, o consumidor que verifica a existência de vício oculto em seu imóvel, deve apresentar reclamação perante a construtora-incorporadora de forma inequívoca, ou seja, por escrito, no prazo de 90 dias após a ciência do vício. Não obstante, também deve a empresa responder de maneira inequívoca ao consumidor. Caso assim não proceda o comprador, a construtora poderá se isentar de responsabilidade, aduzindo o vencimento deste prazo, bem como a ausência de sua notificação formal dos vícios ocultos no imóvel, pelo disposto no art. 26, § 2º, II, da lei consumerista.
§ 2º Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
Apesar da existência do Código de Defesa do Consumidor, é comum a confusão com os dispositivos que tratam do construtor no Código Civil, especialmente o prazo descrito no art. 618 deste Código.
Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.
Contudo, cabe expor que em se tratando de relação de consumo (consumidor-fornecedor), a lei principal a ser aplicada é o CDC, e subsidiariamente, o Código Civil. Ainda, importante destacar que o Código Civil por si só, regerá aquelas relações entre particulares, onde dois sujeitos acordam entre si alguma coisa, sem algum deles qualificar-se como fornecedor de serviços ou produtos.
Em um julgado recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, os ministros concluíram que, por tratar-se de vício aparente e de fácil constatação, a consumidora tinha 90 dias para demandar, a contar-se desde o “habite-se”, porém, acabou acionando a Justiça somente após 4 anos da compra do bem. Vejamos o julgado:
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. [...]APARTAMENTO. DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO. [...]PRAZO PARA RECLAMAR. VÍCIOS APARENTES. NÃO COMPROMETIMENTO DA ESTRUTURA DA EDIFICAÇÃO. [...]
1. É de 90 (noventa) dias o prazo para a parte reclamar a remoção de vícios aparentes ou de fácil constatação decorrentes da construção civil (art. 26, II, doCDC). [...] O prazo de garantia de 5 (cinco) anos estabelecido no [...] (art. 618 do CC em vigor) somente se aplica aos casos de efetiva ameaça à "solidez e segurança do imóvel", conceito que abrange as condições de habitabilidade da edificação. [...]
Nenhuma dúvida há, portanto, quanto à subsunção do feito à regra do art. 26, II, da Lei n. 8.078⁄90, que fixa em 90 dias o prazo para reclamar a remoção de vícios aparentes ou de fácil constatação, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. Recebido as chaves do imóvel em 18⁄2⁄1999, somente 4 anos depois (em 20⁄2⁄2003) é que os autores, ora agravados, acionaram o Poder Judiciário.
(STJ - REsp: 1172331 RJ 2009/0247419-2, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 24/09/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/10/2013)
A mencionada consumidora, argumentou no sentido de lhe ser garantida a aplicação do prazo de 5 anos para propositura de ação, disposto no art. 618 do Código Civil. No entanto, os ministros entenderam que tal prazo aplica-se subsidiariamente ao Código de Defesa do Consumidor, quando diante de relação de consumo, e ainda, somente em casos de vícios ocultos que afrontem à saúde e segurança do consumidor, ou ainda, comprometam a “solidez e segurança” do imóvel. Além disto, em um julgado recente o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), reproduziu essa linha de entendimento do Colendo STJ, vejamos.
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. [...] RESPONSABILIDADE CIVIL. VÍCIO EM EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO [...] ART. 26 DO CDC, NÃO INCIDÊNCIA. VÍCIO AFETO À SOLIDEZ E SEGURANÇA DO EMPREENDIMENTO. PRAZO DECADENCIAL QUINQUENAL. ART. 618 DO CÓDIGO CIVIL. CDC E CÓDIGO CIVIL. [...].
Na hipótese, não se tratando de vício de fácil constatação, mas sim de defeito estrutural que compromete a segurança e a regular fruição do empreendimento imobiliário, [...], não incide o prazo decadencial de 90 dias previsto no Código de Defesa do Consumidor, estando a pretensão deduzida submetida tão somente ao prazo prescricional de cinco anos definido no art. 618 do Código Civil. [...]
A responsabilidade do construtor é objetiva, máxime em se tratando de relação de consumo, ante ao que dispõe o art. 12, § 1º, inciso II, doCódigo de Defesa do Consumidor. 5. A constatação de que determinado vício de construção compromete à solidez e segurança do empreendimento imobiliário, não exige a demonstração de que o defeito compromete suas condições estruturais, mas sim que o problema, derivado da ação do construtor, impede a plena habitabilidade e fruição da edificação. [...]
(TJ-DF - APC: 20140111623230, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 06/05/2015, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 08/05/2015. Pág.: 200)
Por fim, entende-se que a jurisprudência tem se mantido no sentido de garantir aos defeitos no imóvel, isto é, aqueles que geram riscos de saúde e segurança ao consumidor, o prazo de 5 (cinco) anos para reclamar, tanto pelo Código de Defesa do Consumidor em seu art. 27, como subsidiariamente peloCódigo Civil, em seu art. 618. Contudo, em se tratando de vícios (aqueles que não acarretam danos à saúde e segurança do consumidor), aparentes ou ocultos, deve-se observar o prazo de 90 (noventa) dias para reclamação junto à construtora-incorporadora.
De todo modo, é ideal que a empresa pratique uma gestão de riscos com auxílio jurídico, de maneira que esteja instruída sobre como proceder em casos de dúvidas ou reclamações formais de compradores de seus imóveis, evitando que sejam tomadas atitudes imprudentes que possam eventualmente culminar em uma demanda judicial.
GONÇALVES, Carlos Roberto, Responsabilidade Civil. 14. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
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