Não é de hoje que a compra de um imóvel por parte de um indivíduo que por vezes está realizando o grande sonho de sua vida passa do êxtase do alcance de um objetivo a um grande martírio.
Isto se dá, principalmente, em razão de que nem sempre as cláusulas de um contrato de compra e venda de imóvel são livre e suficientemente discutidas entre as partes envolvidas nesta nítida relação de consumo. A vulnerabilidade do adquirente/consumidor diante da construtora o conduz à celebração de negócio jurídico que por vezes viola os princípios da boa-fé, do equilíbrio contratual e de sua função social. O advento do contrato de adesão, presente em boa parte dos negócios jurídicos dessa espécie, consagra a postura abusiva de incorporadoras, mormente com relação à data de entrega do imóvel, por vezes reiteradamente dilatada sem qualquer justificativa plausível, e ao índice de correção monetária que incide sobre o valor do imóvel a partir do momento em que a data de entrega é desrespeitada.
Por diversas vezes nos deparamos com contratos que preveem possibilidade de prorrogação do prazo de entrega das chaves do imóvel em até 180 dias. Essa “prorrogação” é, conforme o entendimento de vários Tribunais de Justiça pátrios, claramente ilegal. E de outra forma não poderia ser, visto que se o comprador, por qualquer motivo, atrasar o pagamento de suas parcelas isto resulta em uma série de penalidades. Então o que poderia autorizar a construtora a atrasar o cumprimento das suas obrigações sem qualquer consequência a não ser um claro desequilíbrio contratual?
Sobre essa questão é relevante a menção a dois recentes julgados. Em um deles (TJ-RJ: Ação Ordinária nº 0378961-54.2012.8.19.0001 – 25ª VC da Comarca do Rio de Janeiro), proveniente do judiciário estadual do Rio de Janeiro, diante do atraso de mais de um ano além da prorrogação prevista contratualmente para a entrega do apartamento, a justiça carioca condenou a construtora ao pagamento de indenização por danos morais aos compradores do imóvel, somada a multa por cada mês de atraso na entrega. No outro (TJ-SC: Apelação Cível nº 2015.021982-5 – 5ª Câmara de Direito Civil – Origem: Criciúma), oriundo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, foi declarada a rescisão do contrato de compra e venda do imóvel, com a condenação da construtora à devolução de todos os valores pagos pelo comprador, mais a quantia correspondente aos alugueis pagos pelo comprador a partir da data em que o imóvel já deveria ter sido entregue.
Com relação ao impacto que o mencionado atraso tem sobre o valor devido pelo adquirente à construtora, muitas vezes o consumidor é levado a permitir que o seu saldo devedor seja corrigido por índice vinculado aos preços da construção civil (INCC) mesmo em período que o seu imóvel já não deveria mais estar sendo influenciado por essas variáveis, uma vez que já tendo sido entregue por óbvio não estaria mais em construção.
É bastante compreensível que durante as obras o valor do imóvel seja corrigido pelo Índice Nacional de Custos da Construção (INCC), no entanto quando o prazo de entrega das chaves é desrespeitado isto se torna abusivo, pois apesar de a correção monetária não onerar o consumidor, tendo em vista que se trata de mera reposição do poder aquisitivo da moeda, quando calculada pelo INCC essa oneração se torna excessiva, diante da superioridade deste índice sobre os índices de reajuste de salários. O correto seria que o valor devido pelo consumidor fosse congelado quando identificado o atraso na entrega das chaves.
Cabe então ao consumidor/adquirente, quando se deparar com alguma dessas dificuldades, entrar em contato formalmente com a construtora/incorporadora apresentando sua oposição a essas práticas, e, caso não obtenha sucesso recorrer ao judiciário, onde poderá obter guarida. Frisa-se, no entanto, a despeito de tudo o que foi exposto, que nada substitui uma adequada assistência jurídica anterior à celebração de contratos de compra e venda de imóveis.
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